Ensaio sobre falácias e privatizações
É preciso perceber alguma coisa de economia para se perceber que a ideia
de que vivemos acima das possibilidades é uma falácia. E ainda mais
para se perceber que o processo de ajustamento em curso não é para mudar
a economia, mas apenas para a contrair, e assim conseguir-se pagar a
dívida. E ainda é preciso perceber mais para se explicar tudo isto.
Todavia, é mais fácil explicar outras falácias em tudo equivalentes, e
que se reportam a decisões feitas sob aquele pano de fundo. A venda da
TAP serve muito bem esse propósito, a que podemos juntar a venda do BPN,
da EDP, da ANA e da RTP. E que falácias são essas? Vejamos, desde o
início:
- As privatizações foram impostas pela troika: falso, na Irlanda não há privatizações;
- As privatizações foram negociadas pelos socialistas e o actual Governo só faz o que foi decidido: falso, o Memorando já teve várias e importantes revisões; e, falso, a RTP não está em nenhuma versão do mesmo;
- As privatizações são feitas sem olhar a interesses: falso, nas
privatizações há interesses financeiros de vários milhões, por parte dos
bancos intermediários, estrangeiros e portugueses;
- As privatizações ajudam ao financiamento externo da economia: falso, a
EDP conseguiu 1000 milhões de euros de um banco chinês a um preço igual ou apenas ligeiramente inferior ao conseguido por outras empresas portuguesas;
- As privatizações são fundamentais para diminuir a dívida externa:
falso, elas renderão apenas uma parcela diminuta do total da dívida
(menos de 2%); e, falso, as empresas privatizadas prosseguem com o
endividamento no exterior;
- As privatizações são uma forma de
libertar a economia do Estado: falso, mal a EDP foi privatizada, um seu
conselho geral foi aumentado em quatro membros do PSD e um do CDS; e,
falso, desde então nada foi feito para ajustar os preços dos serviços e
as taxas de rentabilidade;
- As privatizações contribuem para a
modernização da gestão empresarial do país: falso, os compradores são de
países com culturas empresariais menos desenvolvidas do que a
portuguesa, incluindo a China, a Colômbia ou Angola;
- As privatizações estão a ser bem planeadas: falso, o BPN foi vendido no último dia definido no Memorando,
sob pressão; e, falso, o actual comprador da TAP já faz pressão por
causa do eventual menor valor da ANA, caso a TAP não seja vendida (e muitas dúvidas);
- As privatizações estão a ser feitas com toda a transparência: falso, não há nenhum órgão externo ao Governo que controle ex-ante o processo, e todos os consultores utilizados são contratados pelo Governo.
Dito isto, há outras coisas que elas comprovam, nomeadamente, quão negativa é, politicamente, a intervenção da troika,
e quanto este Governo está desinteressado na economia do país e
interessado em satisfazer os interesses, directos e indirectos, dos
credores, sem sequer pensar em negociar ou em fazer-lhes
frente. Exageros? Parece, mas nem por isso. Talvez alguém consiga dizer o mesmo de forma menos bruta. Há alternativa? Sim, fazer as privatizações com tempo, ponderadas e à antiga europeia.
Pedro Lains, 11/12/2012.