Como se se tratasse de uma coisa banal, Vítor Gaspar foi ao Parlamento confessar que, após menos de dois meses de execução, o seu orçamento para 2013 já está, mais uma vez, desactualizado e ultrapassado pelos factos. Nada que toda a gente não esperasse e não tivesse previsto, menos ele e os cheerleaders da sua estratégica económica. Há mais de ano e meio em funções, Vítor Gaspar já conquistou um lugar na história: ficará como o ministro das Finanças que, nos seus seis primeiros trimestres de Governo, não acertou uma única previsão — nem quanto ao défice, nem quanto ao PIB, nem quanto ao desemprego, nem quanto às exportações, nem quanto à receita fiscal. Ele dirá, defendendo-se, que foi a conjuntura internacional que o lixou — mas até isso era previsível e ele não o previu. Tentará também dizer que ninguém esperava isto, mas é falso: foram inúmeros os que disseram antecipadamente que as suas políticas só poderiam ter estes resultados. E não era preciso ser economista, nem mestre, nem doutor em economia para o antecipar: bastava ter bom senso e prudência, não sujeitando a vida das pessoas ao resultado de experimentalismos académicos e tecnocráticos. (…)
Para a história ficará também a desastrada estratégia de um governo que, tendo sido eleito com a tarefa de reformar o Estado e torná-lo sustentável, tratou antes de destruir a economia, liquidar 250.000 postos de trabalho e arrasar com impostos todo o tecido empresarial de pequena e média dimensão. E é agora, sobre os escombros deste desastre, que pretende fazer o que devia ter feito antes, quando tinha condições políticas e económicas para tal. Não sei se uma geração chegará para reparar os danos causados e voltar a dar a este país uma réstia de esperança.
Miguel Sousa TavaresDurante a última campanha eleitoral, costumava lembrar aos meus amigos indecisos aquela expressão popular "entre dois males, escolhe o mal menor". Para além de muitas dúvidas sobre se a coligação PSD/CDS estaria melhor preparada para enfrentar a maior crise financeira mundial desde 1929 e a crise das dívidas soberanas europeias, os conhecidos discursos políticos neoliberais de Passos Coelho e de alguns dos actuais membros do governo, nomeadamente do ministro da Educação, Nuno Crato, sempre me fizeram temer o pior. Nunca se tratou de verdadeiramente reformar o Estado, cortando, por exemplo, nas famosas "gorduras", mas sim de refundar o Estado social sobre os princípios mais liberais da economia e mais conservadores nos valores éticos e espirituais. Um Estado à laia dos (piores) princípios do partido republicano norte-americano e da direita mais retrógrada europeia. Verdade seja dita que o presidente do PSD sempre assumiu que o seu programa era o programa da troika, independentemente do País estar sob resgate financeiro. Aliás, queria ir para além da troika. (Apesar de ir fazendo promessas demagógicas como não aumentar impostos ou não despedir funcionários públicos, entre outras). Mas a maioria dos portugueses não quis saber. Estavam demasiado ocupados em crucificar Sócrates. Pois bem, após quase dois anos de brutais sacrifícios impostos ao povo português, eis os resultados da "política da verdade, da transparência e do rigor": mais défice, maior dívida pública, número de desempregados a chegar perto de 1 milhão de portugueses. E um sentimento de decadência, de desilusão, de desesperança, enfim, um sentimento de "desengano" que já não se via desde os tempos do Portugal de antanho.
in Expresso, 23/02/2013
Outros links relevantes:
- Merkel condena chumbo do PEC pelo Parlamento
- Passos a passo (conta de Twitter de Passos Coelho (@passoscoelho), iniciada a 6 de Março de 2010. Os tuites aqui transcritos foram publicados entre Março de 2010 e Junho de 2011).