(...) Na revista Vanity Fair de Março, Michael Shnayerson conta como, após empocharem 700 mil milhões de dólares de dinheiro público que os salvaram da falência, os grandes bancos e seguradoras americanos, como a Merrill Lynch e a AIG, continuam a distribuir milhões em bónus às administrações e a uma parte dos seus funcionários. Shnayerson cita o exemplo de John Thain, CEO da Merrill Lynch, que em Dezembro de 2008, depois de vender a firma ao Banco da América por 50 mil milhões, o que pode implicar a perda de 30 mil empregos, "fez saber" que achava merecer um bonuzito de 10 milhões. A pretensão indignou toda a gente, levando uma série de (ir)responsáveis de instituições salvas com fundos públicos a jurar que em 2009 não ia haver bónus para ninguém. Sucede que, como o artigo demonstra, há e houve bónus, mais ou menos secretos. Esta total cupidez, aliada à incapacidade dos reguladores e do governo de acompanharem a atribuição de fundos com regras que impeçam tal pouca vergonha, é não só a mais eloquente explicação do desastre como o melhor retrato do sistema. Para os financeiros americanos (e todos?) é impensável relacionar coisas tão abstractas como os prejuízos das empresas que levaram à falência e o esforço do país para as salvar com os seus muito concretos proventos. A culpa não é deles: habituaram-nos assim.
Fernanda Câncio
in DN, 06.03.2009, p. 7
(nota: o destaque é meu.)